segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Associação de juízes contesta decisão do Supremo que manteve a censura

Matéria publicada no jornal "O Estado de São Paulo" em 14.12.2009

por Moacir Assunção

O desembargador Henrique Nelson Calandra, presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis), contesta a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que rejeitou o recurso do Estado contra a censura que lhe foi imposta pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF). "Me filio à tese derrotada, defendida pelos ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Carmen Lúcia, até porque uma liminar não pode durar para sempre. A reclamação ao STF formulada pelos advogados do Estado era, sem dúvida, a medida mais acertada para o caso", defendeu.


Reclamação é um recurso usado quando decisão do STF é descumprida por um juiz ou outro tribunal. No caso do fim da Lei de Imprensa, entra-se no Supremo com uma reclamação para fazer valer a decisão que a corte tomou sobre o tema.


O que estava em discussão, segundo Calandra, "claramente, era o direito à liberdade de imprensa e de opinião, uma garantia constitucional, e não a roupagem jurídica".


"O Estadão, um dos jornais mais importantes do País, permanece com a boca cerrada quase meio ano após a edição da liminar", afirma. Calandra diz que se sentiu "incomodado" com a decisão do STF. "Foi como se um médico fosse proibido de fazer cirurgia ou um juiz de julgar, atividades que estão no centro de suas profissões", diz. "Me sinto extremamente incomodado quando vejo violado algum preceito da democracia. Isso é muito grave em qualquer sociedade democrática e causa um mal enorme." De acordo com o presidente da Apamagis, ditar o que jornalistas "devem ou não escrever é violação da liberdade de imprensa".


Desde 31 de julho, o Estado está proibido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) de divulgar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que indiciou o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Pesquisa indica que 80% dos casos levados à PF não são esclarecidos

Projeção foi divulgada pelo delegado Gustavo Shneider, que defende filtragem dos casos e maior autonomia

Cerca de 80% dos crimes comunicados à Polícia Federal não são esclarecidos, revela pesquisa realizada pelo delegado Gustavo Schneider, do Rio Grande do Sul. Para a ele, a melhor maneira de reverter esse quadro desalentador seria a adoção de "critérios científicos de seletividade e absolutamente objetivos". Além dos casos sem fundamento, há problemas na própria investigação e na demora da Justiça - o que aumenta no País a sensação da impunidade.

Responsável pelo inquérito sobre suposto esquema de corrupção no Detran gaúcho, escândalo que abalou o governo Yeda Crusius (PSDB), Schneider defende a priorização nas investigações e cobra mais autonomia. "As autoridades policiais devem ter maior independência para atuar com isenção em relação a processos políticos, às injunções governamentais de ocasião", diz. "Nossas polícias judiciárias, tal como o Ministério Público e o Poder Judiciário, têm de ser instituições de Estado, não de governo."

De acordo com dados do Tribunal de Contas da União (TCU), analisados na pesquisa, nos últimos 20 anos o número de inquéritos abertos pela PF cresceu 2.000%. É um aumento de 145% por delegado. Em 2003, a PF abriu 50.220 inquéritos; em 2005 foram 66. 492.

Com base nessas informações e em dados coletados na própria PF, o delegado traçou as projeções sobre a deficiência em concluir as investigações.

"O Brasil precisa criar conselhos comunitários, integrados por membros do Ministério Público, da Justiça e da polícia para decidir quais casos devem ser priorizados", observa. "O interesse da comunidade é que tenhamos uma seletividade baseada em critérios científicos."

Ainda de acordo com a pesquisa, no Rio Grande do Sul, em 2004, foram abertos 217 inquéritos sobre infrações previdenciárias. Até agosto de 2007 apenas 77 haviam recebido sentença judicial. Desse total que a Justiça julgou, 61 foram arquivados, 14 resultaram em absolvição.

"Pasmem, apenas dois inquéritos tiveram condenação", declara o delegado, que apresentou parte dos resultados no 4º Congresso Nacional de Delegados da PF, na quinta-feira, em Fortaleza. "Esses números são de chorar. Revelam que nossa atividade de polícia judiciária não está atingindo o princípio constitucional da eficiência."

JUSTIFICATIVA

Os motivos do fracasso? "Grande parte dos casos terminou assim por ausência de justa causa, ou seja, atipicidade do fato", conta Schneider. "Houve extinção da punibilidade por causas diversas, prescrições e pagamento de tributos."

A essa situação, o delegado chama de "taxa de atrito" - a diferença entre o número de situações criminais notificadas à polícia e o número de casos efetivamente esclarecidos e, sucessivamente, o número de inquéritos relatados e remetidos à Justiça, o número de denúncias oferecidas pela procuradoria e as condenações. "A taxa de atrito no Brasil é altíssima, seguramente maior que 80%."

Essa taxa é alta em quase todo o mundo, mas no Brasil é especialmente alta, segundo Schneider. "Isso ocorre em razão da observância quase religiosa do princípio da obrigatoriedade da abertura de inquérito. Isso tem natureza ideológica. Sempre desinteressou que a polícia priorizasse casos de relevante valor social, como os crimes do colarinho branco, contra o meio ambiente, contra a ordem econômica, contra a ordem tributária. Crimes que lesam de maneira impactante a comunidade", analisa.

Para o delegado, esse quadro deve se agravar. Ele afirma que não defende a ideia de que a autoridade policial decida o que investigar. "Seria antidemocrático e uma fonte potencial de corrupção. Não é isso que se quer. Queremos um processo democrático de escolha." Ele destaca que "a maior parte dos crimes são patrimoniais, cometidos por determinada camada populacional".

Schneider vê no Projeto Tentáculos uma saída para a eficiência. O projeto, criação do delegado Carlos Eduardo Sobral, de Brasília, propõe concentrar em um inquérito todos os delitos cometidos por uma mesma organização. "Não se pulveriza os esforços em inquéritos inúteis que não vão dar em nada."

Matéria do Jornal "O Estado de S.Paulo" de 09/11/2009

Comentário do Dr. Calandra

O projeto de reunião de todos os delitos num só inquérito tem como lado positivo focar a investigação em torno de uma organização criminosa e de seus membros, mas pode produzir impunidade. Os processos muito volumosos acabam contendo peças inúteis com manuseio complicado. O ideal seria agrupar os inquéritos por tipos criminais, especializar os investigadores, que devem ter a exata noção da prova útil.Também deve ser evitado a instauração de inquéritos policiais por questões banais, cujo resultado será o arquivamento.

A polícia não é agência de cobrança. O Estado deve aprimorar seus instrumentos de tributos evitando instauração de ação penal quando houver possibilidade de cobrança eficaz no plano administrativo.

A instauração de milhares de inquéritos e de denúncias sem resultado positivo acaba implicando em descrédito da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Ouça aqui a entrevista do Dr. Calandra sobre a nova Lei do inquilinato (Jovem Pan)

Assista aqui entrevista do Dr. Calandra sobre a nova Lei de adoção (Jornal da Record)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Lei nacional de adoção entra em vigor

Entrou em vigor, na terça-feira (3/10), a Lei Nacional de Adoção, que modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O novo texto cria um cadastro nacional de crianças e adolescentes em todo o país e facilita os procedimentos para adoção. Agora, qualquer pessoa com mais de 18 anos, independentemente do seu estado civil, pode adotar uma criança. A única restrição para a adoção individual é que o adotante tenha pelo menos 16 anos a mais que o adotado.

A nova lei também prevê que as crianças não podem passar mais do que dois anos em abrigos e os irmãos devem ser adotados pela mesma família. Outro ponto levantado pela nova lei é a atenção a mães que tenham interesse em entregar seus filhos para a adoção.

Para fazer aumentar a fila dos apenas 25 mil candidatos à adoção, a Comissão Especial de Direito à Adoção da OAB-SP está lançando a campanha “Adote Essa Ideia”. “A Lei de Adoção também estimula a adoção de crianças e adolescentes comumente preteridos, como as crianças maiores, de raça diferente do adotante ou deficientes, por exemplo, e permite a adoção por maiores de 18, em lugar de 21 anos, independentemente do estado civil, por isso o cartaz da campanha da OAB-SP que atacar esse obstáculos”, disse o presidente da Comissão, Eli Alves da Silva, que é pai adotivo.

Comentário do Dr. Calandra

O simples olhar de para um problema tão grave por parte do parlamento brasileiro já é grande avanço, mas a questão da adoção não se resolve por edição de uma Lei. É preciso mudar de atitude, facilitando a desburocratização do processo de adoção e desarmar corações para adotar crianças mais velhas e de etnias diversas.

A adoção, na verdade, não é uma solução para os problemas da miséria e ignorância, que devem ser combatidos com políticas públicas, programas de renda mínima e planejamento familiar, sem os quais continuaremos produzindo multidões de excluídos.

E o problema não está só na baixa renda. Há uma legião de milhares de jovens desocupados - a geração video game - que também endossa o problema da miséria.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

2ª Turma do STF reconhece poder de investigar do MP


O Ministério Público pode fazer, por sua iniciativa e sob sua presidência, investigação criminal para formar sua convicção sobre determinado crime, desde que respeitadas as garantias constitucionais dos investigados. A Polícia não tem o monopólio da investigação criminal e o inquérito policial pode ser dispensado pelo MP no oferecimento de sua denúncia à Justiça.
Entretanto, o inquérito policial sempre será comandado por um delegado de Polícia. O MP poderá, na investigação policial, requerer investigações, oitiva de testemunhas e outras providências em busca da apuração da verdade e da identificação do autor de determinado crime.

Com este entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal indeferiu, por votação unânime, Habeas Corpus em que o agente da Polícia Civil do Distrito Federal Emanoel Loureiro Ferreira, condenado pelo crime de tortura de um preso para obter confissão, pleiteava a anulação do processo desde seu início, alegando que ele foi baseado exclusivamente em investigação criminal conduzida pelo MP.

Comentário do Dr. Calandra

O julgamento da 2ª turma do STF, com relatoria do Ministro Celso de Mello, acolhe a tese de que quando o investigado é a própria polícia ou seus agentes, o Ministério Público pode desenvolver investigações tendentes a apoiar a denúncia a ser oferecida. O posicionamento não é novo e reafirma opiniões anteriores dos Ministros Maurício Correia e Luís Galotti.

Na verdade, sendo parte, o MP não pode ser tratado como um ente amordaçado, imobilizado e sem possibilidades de buscar as provas para o seu convencimento. O poder de investigação do MP deve ser amplo, porém o depósito das provas é o inquérito policial e o destinatário da denúncia das provas é o poder judiciário.

O que se combate são investigações secretas e provas que não se tornam públicas, o que não é plenamente democrático. Também é preciso entender que o poder de investigação não é compatível com humilhações ou com a violação das garantias individuais.

Com o passar do tempo, caminharemos para a colheita de provas no âmbito do MP ou da defesa e com o depósito dessas provas em juízo, sempre com a presença dos advogados das partes, como ocorre na justiça americana.